1. O Meu argumento
Ao chamar a atenção sobre a África Ocidental como uma região, apelamos à sensibilização, vigilância e consciência política por parte do resto de África sobre a posição de África no contexto da ordem mundial atual. Várias personalidades eminentes já tem vindo a alertar-nos há muito tempo sobre a nossa condição: Nathalie Yamb, Julius Malema, Prof. PLO Lumumba, Embaixadora Arikana Chihombori, entre outros. Devíamos seguir os seus discursos e melhorar a consciência sobre o nosso Continente. Que estão fazendo os nossos dirigentes?
O Mali, o Burkina Faso e o Níger tem vindo a demonstrar que podemos livrar-nos da condição de pobreza e de guerra em que os países do norte global desejam manter-nos: sobrevivendo, mas sem desenvolvimento, porque eles próprios precisam dos nossos recursos para manter a sua prosperidade. É só ver a frequência de visitas à África por parte de líderes europeus, e o que procuram: O Chanceler Alemão visitou muitos países africanos este ano, depois de a Alemanha ter percebido a sua debilitação e debilidade económica depois de permitir a explosão do gasoduto Nordstream e as sanções à Rússia. A Alemanha e a Europa em geral precisam de procurar fontes alternativas de energia. Entretanto, quem está a lucrar com a crise energética europeia[1]?
A energia (gás e petróleo) é a questão estratégica que domina hoje as relações mundiais. Essa é a razão da ocupação de partes do território da Síria e do Iraque pela América até hoje; é por isso que a instabilidade continua a grassar na Líbia; é por isso que houve e ainda persiste interesse na permanência da instabilidade no Sahel. Fontes de energia abundante existem também na África Oriental e Austral. Entretanto:
não temos dinheiro,
não temos nem dominamos a tecnologia necessária,
não temos mão de obra qualificada para a sua extração,
nem sequer temos capacidade de medição destes recursos.
Existirá maior exposição a interesses estrangeiros do que esta?
EXCETO: os três países do Sahel mais afetados pela insegurança deram-se conta de que os seus esforços de segurança foram sendo sabotados ao longo dos anos. Rapidamente cessaram toda a cooperação com a França e com a União Europeia nas questões de segurança. Esta é mais uma prova de que nenhum exército estrangeiro pode restabelecer a paz num país. Os acontecimentos no Mali e no Burkina desde a partida das forças francesas são um testemunho disso.
Os países da África Oriental e Austral deveriam acompanhar de perto os esforços de reconquista da autonomia e independência destes três países. Se não quisermos ser surpreendidos por uma juventude que hoje não comunga do entusiasmo por um passado glorioso dos antigos combatentes pela independência. Acho eu que estamos demasiado confortáveis e não estamos suficientemente alertas para a ordem neocolonial vigente de exploração dos nossos recursos. Na verdade, aceitamos e facilitamos uma indústria extrativa. Os nossos líderes estão amotinados à janela recebendo impostos e taxas gordas, enquanto o resto da população luta por um emprego digno, pelo acesso à eletricidade, etc. Enquanto vemos os nossos recursos, incluindo a madeira, serem exportados no seu estado bruto, de forma descarada.
Que dirigente nos representa e nos empresta a sua voz? Pensávamos que um tal Presidente Ruto do Kenya se estava a tornar no nosso porta-voz continental na luta pela soberania dos nossos recursos e pelo fim das relações econômicas desiguais. Depois de dizer em voz alta que o sistema internacional é injusto para África, ele vira-se para dizer que falar de compensação pela escravatura é história passada e que deveríamos seguir em frente!! E vimos como ele tratou servilmente a visita do rei da Inglaterra. O que mais o presidente Ruto estará dizendo que talvez mostre que ele não é afinal o defensor dos nossos interesses? Nosso Embaixador sobre a questão do Clima? Acompanhando os argumentos em torno do financiamento climático, da dita energia verde e dos créditos de carbono, temos a impressão de que esta é uma arma de dois gumes que resultará numa nova colonização de África: o carbono servindo de Cavalo de Tróia. Não nos parece capaz de cumprir o que promete, mas o que certamente vamos a ver é:
a perpetuação do extrativismo sobre os recursos naturais de África, permitindo a compra de vastas extensões de terra por parte de países com dinheiro e culpa de grande poluição[2]. Já são vítimas: Uganda, Tanzânia, Libéria, Zimbabué, Quénia. Situação em evolução.
Através destas compras de terras, os grandes poluidores sentirem-se confortados e autorizados a continuar a poluir sob o pretexto de que o carbono que eles produzem está a ser absorvido em África.
Neste artigo, desejo destacar os acontecimentos na África Ocidental em torno destes três países, da CEDEAO, e o que podemos e devemos aprender desta situação.
2. Acontecimentos históricos no Mali, Níger e Burkina Faso
• A Guerra da Comunicação
O Mali e o Burkina Faso resolveram destituir o Francês da categoria de língua oficial para língua de trabalho. Por razões óbvias, o Francês não pode ficar completamente de fora, mas este é um passo importante que permitirá o reconhecimento e valorização das línguas nacionais. A discussão em torno da questão de uma língua diplomática africana é inevitável. Nesse sentido, eu elaborei vários artigos em torno das vantagens do Kiswahili[3]. Precisamos de investir de uma forma ou de outra, porque não deve haver a ilusão de que a adoção de uma língua franca africana será uma questão de decreto. Qualquer esforço exige recursos porque esta guerra é tanto cultural como é económica, diplomática e política.
A Rádio France Internationale foi intimada a abandonar estes países, embora a Cote d’Ivoire esteja disposta a laborar para o seu regresso, em nome da França. Sem ela, a guerra de comunicação está perdida. Eu ate especularia até que a comunicação constitui 30% do esforço de guerra. Por isso precisam de retornar e reocupar o espaço perdido da narrativa dominante! A guerra de comunicação é uma arma poderosa de mobilização e de formação de opinião. Ainda hoje, uma grande parte dos intelectuais Africanos acordamos e nos precipitamos para ouvir o que dizem a BBC, a CNN, a RFI sobre nós. Qual é a nossa versão sobre o que nos acontece, da nossa história?
• A Retomada de Posse Sobre os Recursos Nacionais
É do conhecimento geral que há muito tempo a França estabeleceu controle sobre as economias dos países africanos de expressão francesa[4]. Ouro no Mali e Burkina Faso, urânio no Níger, os portos, etc. Acontecimentos recentes: o Burkina Faso e o Mali estão agora a investir em refinarias de ouro nos seus territórios. O Burkina Faso até renegociou acordos de ouro com algumas empresas australianas e russas, a fim de exercer maior controlo sobre este recurso nacional.
O Níger impôs a venda do urânio ao preço do mercado; Enquanto no passado o Níger vendia à França o quilograma de urânio por 0,8 euros/quilo, a França vendia 200 euros pelo mesmo quilo no mercado. Agora é pegar ao preço de mercado, ou largar. Afinal de contas, com tanto urânio encaminhado para a Europa, 80% do Níger permanece na escuridão e não tem energia doméstica. Eu vivi e trabalhei lá e tenho a experiência. Não é à toa que as cimeiras da CEDEAO estão agora repletas de enviados europeus e parecem mais cimeiras da União Europeia! A Europa está preocupada com o gasoduto que liga a Nigéria à Europa e que atravessa precisamente o Níger. Energia, energia, energia. Se o leitor viveu na Europa como eu, sabe o que significaria na Europa um dia sem gás ou petróleo!
Uma empresa francesa fazia a gestão dos sistemas de abastecimento de água no Níger (pelo menos em Niamey). Isso também cessou este mês e uma empresa nigerina passará a prestar os serviços. Até o embaixador francês Itte, o qual não queria sair do Níger depois de lhe terem sido dadas 48 horas de ultimato, gabou-se de que a água que Niamey consumia era água francesa. Do Rio Níger que passa pelo meio da cidade de Niamey! Pode-se estar mais refém de interesses estrangeiros do que isto?
Quando se olha à dupla tributação e ao controlo francês dos serviços municipais (água, saneamento, transportes urbanos, portagens, etc.), quanto controlo a França mantém em África? Basta visitar Abidjan e Dakar. É do conhecimento público que as empresas mineiras nacionais nos países de expressão francesa da África Ocidental não podem escavar para alem dos 12 metros de profundidade no seu próprio solo sem pedir autorização à França.
O Burkina Faso também está a tomar disposições para estabelecer uma central nuclear para uma melhor autonomia energética.
• Acordos Desequilibrados
O Níger também acaba de denunciar o acordo de dupla tributação com a França, denúncia essa que entrará em vigor dentro de alguns meses: A dupla tributação é um sistema financeiro pelo qual uma empresa estabelecida fora do seu país de origem deve pagar impostos sobre as receitas obtidas no país de operação, e normalmente também deve pagar impostos sobre as receitas repatriadas no país de origem (da empresa). Para contornar esta dupla tributação, muitos países, e em particular a França com os países africanos (o Níger é o caso presente), estabeleceram um regime que permite as empresas francesas o repatriamento de benefícios sem serem taxadas na origem, desde que sejam taxadas apenas em França, contra um procedimento igual para empresas do Níger em França. Dir-se-ia que há reciprocidade neste tipo de acordo. Só que então vem a pergunta: quantas empresas nigerinas existem em França e qual é o seu volume de lucro? Pense apenas na Air France e na Orange! Bem, isso acaba agora. Nós também poderíamos aprender uma artimanha ou duas com isto.
Todos sabemos que, especialmente depois da Cimeira de Valeta sobre a migração, a Europa transferiu a gestão da migração para a Europa para governos africanos, deslocando assim efectivamente as fronteiras da Europa para o Sahel. Vários países africanos foram financiados com acordos para a gestão da migração em nome da Europa, uma espécie de “nós te damos dinheiro e você mantém o seu povo bem longe de nós”. E o Níger, um país chave nesta estratégia, acaba de denunciar tal acordo com a União Europeia. Não minimizamos os inúmeros perigos desta migração, tais como a travessia do inóspito deserto do Sahara, os traficantes de pessoas, a passagem por países do Norte de África que consideram os negros africanos seres humanos inferiores - o mercado de escravos da Líbia, os acontecimentos na Tunísia, Marrocos e Argélia, e a travessia da vala comum do Mar Mediterrâneo onde os guardas nacionais dos países do Norte de África foram armados pela Europa para combater a imigração. No entanto, externalizar o controlo das fronteiras para os países africanos é desrespeitoso e uma forma pervertida de gerir as relações entre países. Pois bem, o Níger acaba de denunciar tal acordo constringente de combate à imigração.
Talvez não durante a minha vida, mas os Europeus poderão um dia se refugiar em África, o mais que não seja apenas por causa dos desastres ambientais que se avizinham. Observemos como eles estão interessados nos nossos parques nacionais, que estão cada vez mais fora do acesso do zé ninguém Africano, com a conivência dos nossos próprios líderes. Jardins de Éden para outros.
• Integração Regional em Causa
A atitude da CEDEAO como agente de interesses coloniais estrangeiros desacreditou este órgão regional. O seu esforço de recurso à força ao invés da diplomacia no caso do Níger desacreditou-o completamente. A imposição de sanções não só não consta do seu ato constitutivo, como até é uma autossabotagem contrária à natureza dos seus objetivos. Todas estas ações criaram uma reação: os 3 países acabam de criar uma Aliança dos Estados do Sahel (AES), primeiro passo em direção a uma confederação. E Decidiram de se retirar do G5 Sahel, onde a França exercia uma influência excessiva. O Chad e a Mauritânia, os únicos países que permanecem no G5 Sahel, apenas reconheceram esta situação e acabaram por dissolve-lo. Mesmo que a forma desta retirada tenha sido uma gafe diplomática e pouco sábia por causa das consequências nas estruturas administrativas criadas em torno do G5, o ato em si é indicativo de um movimento sério no sentido de abandonar todas as forças coloniais que pesam sobre si. Esperamos que a questão monetária seja abordada dentro em breve.
3. Conclusões sóbrias
É evidente que estes países estão a consentir muito sacrifício para se libertarem, estão e continuarão a pagar por desafiarem os interesses económicos da França e do Ocidente. Lembre-se do Haiti, lembre-se da Guiné, recorde-se de Sylvanus Olympio[5]. O Ocidente ainda pensa ter o direito exaltado de determinar quem deve ser parceiro de um país africano. Desafiar esta ideologia de supremacia racial acarreta riscos de desestabilização económica, politica e de segurança.
Achamos contraditório que a CEDEAO continue a manter sanções económicas sobre o Níger, enquanto os EUA enviaram um novo Embaixador, que apresentou as suas cartas credenciais às novas autoridades ainda este mês. Parece persistirem muitas contradições no comportamento da CEDEAO. A propósito, também fui credenciado como Embaixador do ACNUR na CEDEAO.
Os EUA persistem na manutenção de uma base aérea militar no Níger para combater o terrorismo. Estaremos atentos, conscientes de que nem todas as situações indesejáveis podem ser corrigidas imediatamente, mas na esperança de que as autoridades do Níger encontrem uma fórmula diplomática mas firme de sair de mais este relacionamento. Sobretudo não com um país que estabelece e mantem presença militar onde quer que veja uma abertura longe do seu território. E que ainda por cima reclama sistematicamente a extraterritorialidade!
Jose
Dezembro de 2023
[1] https://www.globalwitness.org/en/campaigns/fossil-gas/crisis-year-2022-brought-134-billion-in-excess-profit-to-the-wests-five-largest-oil-and-gas-companies/
[2] https://www.theguardian.com/environment/2023/nov/30/the-new-scramble-for-africa-how-a-uae-sheikh-quietly-made-carbon-deals-for-forests-bigger-than-uk
[4] https://hir.harvard.edu/true-sovereignty-the-cfa-franc-and-french-influence-in-west-and-central-africa/
[5] https://www.quora.com/Why-was-then-president-of-Togo-Sylvanus-Olympio-assassinated-What-was-the-real-story-behind-the-assassination Ao invés da história que se conta, de que ele teria sido assassinado por soldados que reclamavam questões étnicas. Quem conta a história acaba por deter a vitória.
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