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EU SOU MULATO

Precisei de chegar aos 68 anos para chegar a esta conclusão.

Precisei de ver minhas duas netas para chegar a esta conclusão.

  • Não me orgulho de ser mulato,

  • Não me orgulho de ser negro,

  • Não me orgulho tão pouco de ser branco,

Orgulho-me sim, primeiro e fundamentalmente, de ser humano e em seguida, de forma secundária ao ser humano, de pertencer a uma nação, Ngoni, a um país, Moçambique, a um continente, África, a um povo, Africano.  Por sinal um povo feito de negros, mulatos, árabes e toda uma gama de cores de pele.  Que a pele defina a nossa humanidade isto é um defeito trazido pelo colonizador.


Contudo vou explicar como é que cheguei a esta epifania tardia, como me encontrei na estrada de Damasco.


Inconscientemente, ou antes, independentemente de mim, isso começa com dois acontecimentos de minha mãe, Filomena Akazianyenga.  Ela fora neta de uma senhora escrava que a nação Zulu conquistou na sua migração da Africa do Sul para o Norte do Continente, passando por todos estes países Austrais, ESwatini, Botswana, Moçambique, Zâmbia, Zimbabwe, Malawi, Tanzânia.  Contou-me o meu pai que numa das batalhas contra tribos locais na zona de Tete hoje conhecida por Angónia, um chefe de guerra Zulu teria aprisionado três mulheres de uma tribo local derrotada.  Como costume, ele entregou as três mulheres ao general da força em migração.  Este por sua vez, devolveu uma das mulheres ao chefe do destacamento vitorioso como esposa.  Foi a avó da minha mãe.


Logo aí, Miscigenação.


O segundo evento: minha mãe faleceu aos meus dois anos e no pânico, o meu pai me entregou às irmãs da caridade no orfanato da Missão da Fonte Boa, as quais me confiaram nas mãos cuidadosas das raparigas internadas: uma Ana Samuel, e outra Margarida Ferrão (Vovó Guida), até à idade dos 13 anos.  Filho de várias mães, e concluí que ser pai ou mãe é muito mais do que procriar.  Isso seria demasiado fácil.  Ser mãe ou pai é todo o dar de si mesmo a um outro ser que precisa de amor e proteção desinteressada, de calor humano e sentir família.


Uma Miscigenação.


E a minha vida foi evoluindo, eu na segurança de que sou uma pessoa, negra, Ngoni, moçambicana, Africana, cidadão do mundo.  Até que abri mais os olhos e me dei conta de que o Ngoni do Norte (Tete, Niassa) e o Changana do Sul (Maputo, Gaza) são o mesmo povo migrado da África do Sul.  Apenas que um general chamado Ngungunyana decidiu ficar pelo sul, enquanto os outros avançaram, e foram deixando também outros grupos pelo périplo - Ndebele no Zimbabwe, Lozi e Ngoni na Zâmbia, Changana, Ngoni, Yao em Moçambique, Chewa no Malawi, Ngoni e Matengo na Tanzânia.  E sei lá quantos mais.  São todos o mesmo sangue e eu sou produto disso tudo.  Varias etnias, um só povo.


Miscigenação.


Acidentes de história me levaram a trabalhar fora do país, fiquei enamorado de uma senhora Tanzaniana, casamo-nos e recebemos dois filhos.  Para a segunda grávida, minha esposa precisou de transfusão sanguínea.  Estávamos em Abidjan e uma deputada de Cote d’Ivoire e consultora na nossa organização ofereceu-nos o seu sangue.


Miscigenação.


O meu primeiro filho, hoje um homem que vive e trabalha no Canada, casou-se com uma Canadiana branca e tem duas graças mulatas muito belas[1].  Cada vez que contemplo as suas fotografias, vejo que o sangue negro é forte e transmitiu a beleza viva.


Miscigenação.


De repente, tive uma revelação damascena fulminante: o meu sangue se misturou uma vez mais e este sangue negro se misturou a tanto outro sangue, que finalmente ele é hoje um produto de contribuições.  É mulato, misto de cor negra.  A minha pele esconde essa


Miscigenação

 

O que me leva à conclusão de que sou mulato e fui agente de mistura por progenitura, uma sublimação filosófica. Resulta, por via logica inevitável que isso me dá autoridade moral para fazer as considerações que se seguem e que ofereço ao leitor, afim de que interrogue os seus preconceitos e o seu prisma, de maneira igualmente profunda.  Porque a sua verdade pessoal o libertará.


A discriminação racial enraizada em algumas etnias, em particular as tribos Europeias, Asiáticas e talvez outras, é uma atitude ignorante do facto de que daqui a algumas décadas deixará de existir raça pura.  É ignorante de que historicamente toda a raça humana é proveniente da irradiação migratória que partiu de África.  Quem é biologicamente superior: o filho ou a mãe? Portanto, a discriminação contemporânea contra o negro, na América do Sul, na América do Norte, nos Estados Unidos em particular, na Europa e na Ásia, não são apenas ação vergonhosa e primitiva, são ações de medo e covardia.  Porque a população negra global é mito maior do que as etnias brancas.  E está crescendo.


Em vez do racismo descarado, a imaginação humana pode inventar outras formas mais positivas de agenciamento da questão de harmonia inter-racial.  Tanto mais que dizemos todos em voz alta nas nossas igrejas, alias relíquias de um colonialismo que se dizia superior, que somos todos filhos de (um) deus, feitos a imagem e semelhança de Deus!  Ou então existe um deus inferior.


Enquanto o negro é forçado a passar a sua vida e a gastar a sua inteligência a rejeitar tratamentos degradantes e tendentes a perpetuar a discriminação humana, que nos quer fazer crer que o branco é superior, os anjos são brancos, a roupa de batismo é branca, e todo um discurso mediático nesse sentido, estamos forçados a não imaginar melhores formas de coexistência humana.  Incluindo a diabolização da migração, que através de programas de assistência técnica e financiamento, forçam países Africanos a adoptar métodos de gestão de migração intra-africana semelhante à gestão europeia, esquizofrénica e anti-histórica.  E resultando no racismo patológico do Africano contra o Africano na África do Sul, onde muito mais tragédia humana vai acontecer.  Entretanto, o imigrante branco continua o seu programa de restabelecimento de um enclave de apartheid no mesmo território.

 

Quanto a mim, eu sou mulato.

Jose

Tete, Setembro de 2024


[1] Diz o ditado que a beleza esta nos olhos do contemplador.  Neste caso eu sou contemplador da minha família, e por isso digo, são belas as minhas netas.



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