Em Moçambique, os eventos em redor das eleições de Outubro de 2024, desde a nominação de candidatos, até ao decorrer das eleições, as manifestações populares pós-eleitorais desde Outubro até ao presente, iluminam as ameaças externas a soberania do país, que começam a ficar claras agora pelas propostas de políticas que os atores externos tais como a TotalEnergies acabam de esboçar, com vista a transformar Cabo Delgado em Terra Nullius. Os projetos de desenvolvimento dos atores externos atraves de ONGs locais irão atacar, de maneira insustentável, a falta de desenvolvimento que a recem-criada ADIN tem tentado resolver, também sem sucesso. Este é um dilema importante porque eles pretendem dar a uma ONG local mais força do que o próprio estado, criando condições para que as populações tenham menos lealdade para com um governo que passara a ser (mais) mal visto por investir só $5 milhoes por ano, enquanto a ação social da TotalEnergies passaria a dedicar quatro vezes mais recursos ($20 milhões por ano) para projetos de desenvolvimento.
Para cúmulo e infelizmente, os projetos da ADIN foram concebidos precipitadamente, em reação, não como um pensamento futurista. Estamos falando de Cabo Delgado, uma Provincia do país cobiçada por forças secessionistas.
Há muita ilusão e parece que a história dos Estados Unidos ainda não nos faz estremecer, apesar do que eles fizeram em todos os sítios onde puseram forças armadas. Nem tenhamos ilusões: Eles vão continuar a tentar meter um pé firme em Moçambique, mas o moçambicano não é o seu foco. O problema são os recursos que se encontram em Moçambique e se fosse possível eliminar esta população negra, fá-lo-iam sem hesitação.
Por isso ouvimos discursos dos nossos próprios dirigentes falarem do crescimento da população como um problema a resolver, não como uma forca e riqueza nacional. Discursos impostos por interesses estrangeiros (dividendo demográfico!)
Aliás, contam-se entre os desígnios americanos, coadjuvados por personalidades e instituições importantes e riquíssimas, a redução da população mundial, para melhor gozarem dos recursos do planeta. E onde eles estão? Em África, incluindo Moçambique. Não sejamos egoístas, de curta visão e de interesses imediatos. Devemos visualizar e trabalhar para um Moçambique daqui a trezentos anos, e formular a nossa contribuição para essa visão. Por outras palavras, qual será o nosso legado histórico, quando já tivermos partido deste mundo?
UM EXEMPLO: Acordo militar entre os Estados Unidos e o Gana
Fazendo a leitura por exemplo do acordo de defesa entre os Estados Unidos e o Gana datado de 09 de Maio de 2018 podemos vislumbrar os seguintes objetivos:
A prosseguição dos interesses comuns de defesa (a questão seria, quem pediu a instalação desta força no Gana?)
Para oferecer apoio de segurança aos funcionários dos Estados Unidos e as suas instalações na região (se for esta uma justificação, quer dizer que em todo o lugar onde houver funcionários americanos, deverá haver uma força militar dos EUA? Então sempre que houver uma embaixada, dão-se ao direito de impor uma base militar)
Para além disso, é instrutivo analisar alguns dos dispositivos legais exigidos pelos EUA para as suas bases militares, a luz deste acordo com o Gana:
O Artigo 3 introduz para um exército, pessoal provido de armas potentes o direito aos privilégios diplomáticos de acordo coma Convenção de Viena sobre relações diplomáticas!
O pessoal militar tem direito de entrada e saída do Gana apenas por apresentação de bilhete de identidade americano (não necessitam de passaporte) - Artigo 4!
Todas as instalações de que as forças armadas americanas precisam, serão concedidas sem pagamento de renda (artigo 5.5) – Nem pagam pelas frequências de radio exclusivas que utilizam, enquanto qualquer nacional que tenha uma radio ou uma estação de televisão, deve pagar a taxa de frequências.
As forças americanas poderão celebrar contratos para a aquisição de bens e serviços no Gana de acordo com as leis e regulamentos americanos (artigo 9- extraterritorialidade)
Importações e exportações serão isentas de inspeção, licença, restrições, taxas aduaneiras (art.º 11). - Significa o tratamento da importação de armas de guerra potentes, minas, bombas, produtos químicos tudo sob cobertura diplomática!
Aeronaves, barcos de guerra e viaturas operados pelas forças armadas dos Estados Unidos poderão movimentar-se livremente no território e nas águas territoriais do Gana (art.º 12)
Igualmente, o Artigo 15.1 isenta os Estados Unidos de quaisquer obrigações resultantes de destruição de propriedade, morte ou ferimento de pessoal militar ou civil na execução dos seus deveres oficiais. Sendo este dever uma atividade militar, portanto o porte de armas, significa que se um soldado americano matar um cidadão do Gana, seja qual for a circunstância, as forças armadas americanas estão isentas de qualquer processo legal em território nacional (promoção da impunidade).
O artigo 15 no seu parágrafo 2 vai mais longe na questão da impunidade e extraterritorialidade dizendo que quaisquer reclamações por perdas causadas pelo pessoal militar e civil Americano serão resolvidos pelos Estados Unidos de acordo com as leis e regulamentos dos Estados Unidos (um Ganes precisava de ser perito em legislação americana! E as leis nacionais são não só ignoradas, mas até rejeitadas).
Artigo 18 (Resolução de disputas) expressamente reza que quaisquer disputas na aplicação, execução e interpretação deste acordo… não serão apresentados a nenhum tribunal nacional ou internacional ou instituição similar… Este acordo vai para além da extraterritorialidade e protege qualquer soldado de tribunais internacionais em situações de desacordo inabalável entre as partes. Os EUA empurram outros países para tribunais internacionais dos quais a própria América não faz parte nem é signatária. Justamente para escapar à sua cobertura.
Finalmente, o Artigo 19 revela as manobras e justificações para uma presença contínua: uma justificação de presença é seguida de outra justificação e algumas modificações cosméticas para dar a impressão de ser outra missão, mas trata-se do mesmo exército. Três modificações cosméticas para a perpetuação da presença militar.
A este propósito no seu livro sobre o neocolonialismo em Africa, Kwame Nkruma escreveu a dado passo:
O perigo para a paz no mundo não é tanto devido às ações dos que pretendem acabar com o neocolonialismo, mas antes à falta de ação daqueles que permitem a sua continuação … A ação positiva está ao alcance dos povos nas zonas do globo que sofrem agora de neocolonialismo, mas só se agirem prontamente, resolutamente e unidos.
As elites nacionais que tiram proveito financeiro deste estado de coisas e não fazem nada para mudar a estrutura de produção, uma vez que encontram espaços para participar como acionistas em contratos com parceiros estrangeiros sem sequer ter o cuidado de conhecer a fundo o que dizem esses contratos (condicionalismos). Os nossos amigos ocidentais trabalham com a mentalidade de que se quiserem esconder algo a um Africano, basta pôr isso por escrito e dar o documento ao tal parceiro Africano, que não vai ler, até o dia em que estiver em conflito contractual!
Os nossos padrinhos Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, que através dos nossos bancos centrais trabalharam tanto para desindustrializar as nossas economias. Moçambique tinha a Mabor General em Maputo, a Textáfrica em Chimoio, Riopele, e tantas outras indústrias pelo país fora. Onde estão elas agora? Estes dois amigos se empenham em manter-nos endividados, enfraquecidos e fáceis de dominar, prestes a ser submetidos.
Formataram o nosso país num amplo supermercado para produtos da África do Sul, uma África do Sul ela mesma capturada pelo capital estrangeiro.
“Não vamos esquecer o tempo que passou” foi uma canção revolucionária que aprendemos há muitas décadas. Na realidade se esquecermos ou se deixarmos de ensinar nas nossas escolas, teremos nós os mais velhos a responsabilidade de ter abandonado a nossa juventude no risco de repetir a história. Uma história neocolonial muito mais opressora da próxima vez. O antigo colono compreendeu há muito tempo que não precisa de ocupar território alheio para poder explorar. Mas se for necessário, não hesitará em utilizar os meios tecnológicos avançados de que dispõe para tornar a ocupar.
Deve renovar-se o Contrato Social entre o povo e o estado.
No mínimo, o funcionário deve ser instruído sobre a função e os deveres do estado para com o povo ao seu nível, sobre o contrato social.
A proibição e sanção por lei-decreto das situações de conflito de interesses, por exemplo entre ser funcionário superior do estado e aceitar consultorias para as funções para as quais foi recrutado, nomeado e pago, e tantas outras situações inaceitáveis de exercício do poder e aproveitamento económico pessoal.
Se o Deputado da Assembleia deseja ser empresário em função do que veio a conhecer na sua posição, que se demita da sua função pública e lhe seja permitido fazer o seu negócio, desde que seja lícito.
É necessária uma separação imediata entre o estado e o partido, e o fim da subordinação do estado ao partido, afim de eliminar a exclusão de entrada no aparelho de estado de Moçambicanos qualificados, apenas por causa de opiniões políticas discordantes.
Nós proporíamos, com base em institutos excelentes que existem em Moçambique, tais como o Instituto Superior de Relações Internacionais e outras Academias superiores, a criação de uma Escola Superior da Administração Estatal para a formação administrativa do dirigente, logo que é nomeado, para Ministro, Secretário de Estado, o Governador eleito ou o Administrador de Distrito, e outros de nível superior. Um Instituto onde se infundiria na mente do dirigente pensamentos e comportamentos económicos, técnicas de aténdimento célere ao publico, inspeção e probidade, deveres para com o estado e competências superiores para o exercício da função e do poder, tais como capacidade de pesquisa, noções e teorias do estado, capacidade de transmissão do conhecimento/formação, etc.
As ofensivas organizacionais de Samora Machel, a comunicação mensal de Armando Guebuza (Presidência Aberta) são tantos exemplos muito positivos que deviam servir de inspiração para um melhor diálogo sistemático entre o poder político e o estado, através do seu Presidente ou outra forma de comunicação que construa não só adesão, mas até uma cumplicidade do povo com o programa do estado.
Investimento propositado e agressivo no capital humano nacional.
Ninguém muda nada se não sentir que perde não mudando e se não sentir que ganha mudando. Todos os Moçambicanos devem sentir isso.
Durante a colonização do Continente Africano nos séculos passados, a Europa contava com 400 milhões de habitantes, altura em que toda a África tinha apenas 100 milhões (metade da população actual da Nigéria). Esta força demográfica da Europa facilitou a colonização do nosso continente. Hoje, enquanto a Africa cresceu para 1.2 biliões de pessoas, a Europa encontra-se estagnada pouco acima dos dois ou três séculos passados, a apenas 500 milhões. A África tem portanto a capacidade demográfica de colonizar a Europa.
Este é o verdadeiro medo que faz com que países do Norte adoptem e forcem a África a adoptar medidas de contenção do crescimento, e de nos fazer considerar a migração (em particular para os países do Norte, mas não só) como um crime[1]. E toda uma rede de financiamento europeu aos países tampões do Norte de África (Mauritânia, Marrocos, Tunísia, Argélia, Líbia, Egipto) para impedir os movimentos migratórios e a subida do custo (não reembolsável) do visto[2]. E a imposição subtil de programas e medidas de redução da natalidade em África, a promoção de contraceptivos nas escolas, resultando em desmaios e infertilidade por causa de fibróides e outras doenças induzidas, a coberto de planeamento familiar e de liberdade de decisão e escolha!
Devemos voltar a insistir na necessidade do saneamento da ideologia do dividendo demográfico tal como reflectido na ENDE 2025-2044 (p123): uma ideologia claramente adaptada e inspirada por estratégias externas. O declínio da fecundidade não pode ser visto com um elemento positivo ou benéfico para a economia ou para o povo Moçambicano, hoje ou daqui a vinte anos. A nosso ver, é a redução do número de crianças por mulher adulta através da educação pública que deve ser a estratégia, não a redução da fecundidade, o que seria uma agressão física, mental, moral e cultural. A escolha consciente deve impor-se à esterilização como meio de redução do número de crianças por família. A mulher tem o direito de assumir a sua escolha, não por causa de uma fecundidade/infertilidade induzida, mas por uma escolha social, ética, cultural e económica que respeite os valores da família. Nesse sentido, a política demográfica não pode nem deve ser reduzida à adopção de medidas de influenciação da fecundidade (assédio físico e emocional irreversível), mas sim da procriação (educação pública do cidadão, escolha social e económica consciente).
Pensamos nós que a gestão e expansão dos serviços públicos é que devia se subordinar ao crescimento demográfico inevitável, que se deve influenciar, não controlar. Assim, o centro de gravidade da estratégia devia corresponder a objectivos da realização e agenciamento do homem, não à preservação da natureza. Neste contexto, as tragédias actuais da falência do contrato social entre o estado e o povo na Tanzânia[3] e no Quénia[4] deviam servir de ponto de referência e lição para Moçambique.
Na pagina 77, do ENDE a estratégia propõe que se garanta que o crescimento demográfico seja sustentável e compatível com a preservação dos recursos naturais e qualidade do meio ambiente, quase sugerindo que a demografia é um problema e uma ameaça a natureza! Para nós, o discurso académico que adopta os slogans internacionais de “população e dividendo demográfico, saúde sexual e reprodutiva” camufla uma verdadeira guerra contra a demografia africana crescente. Devemos insistir neste ponto de forma particular.
Se o leitor tiver interesse em mais considerações sobre a situação do nosso país, no contexto Africano, pode ler também os seguintes artigos:
[1] E nos faz esquecer ou ignorar que toda a humanidade de hoje é fruto de uma migração milenar. Quanto Australiano é originário da Austrália, quanto Americano e originário da América, ou Nova Zelândia, ou ainda Nova Caledónia, etc. A natureza humana é migratória.
[2] https://www.henleyglobal.com/publications/africa-wealth-report-2024/comparing-visa-rejection-raté-africans-versus-world
[3] https://www.context.news/climaté-justice/tanzanias-maasai-protest-eviction-in-the-name-of-conservation
Jose Canhandula,
Dezembro de 2024
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